A IMPORTÂNCIA DE SER INVISÍVEL [Thinking Partnership]

Marina Galvão
5 min readJan 21, 2022

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Em janeiro deste ano, fiz o curso de Thinking Partnership (Parceria de Pensamento) conduzido pela Ana Lúcia Munzner e pelo Steffen Münzner. O casal conduz a empresa Munzner, conhecida por seu trabalho pioneiro de introdução da metodologia do Thinking Environment no Brasil. Eles oferecem formações certificadas em Thinking Environment, autorizada pelo Time to Think, empresa de Nancy Kline que desenvolveu a metodologia e suas aplicações.

Participar do curso foi uma experiência muito prazerosa e que me trouxe vários insights tanto para o trabalho de facilitação de conversas, quanto para a minha forma de exercitar o pensamento livre e de permitir melhores espaços para que outras pessoas possam pensar livremente também.

Me remeteu aos ensinamentos da filósofa Lizzie Susan Stebbing, nascida em Londres no séc.XIX (1885) que desde então já defendia que a liberdade genuína consiste em saber como pensar de forma independente e livre.

Entretanto, por mais que seja simples, conseguir pensar livremente é não é algo fácil.

O curso de TP é baseado na concepção de que existem algumas questões que podem atrapalhar uma pessoa a avançar em seu pensamento, ou seja, empecilhos que limitam a forma livre e independente de pensar. Essas questões podem passar pela falta de informações, por desconfortos físicos, mas também por pressupostos limitantes: pressupostos que são falsos, mas são tidos como verdadeiros pelo pensador.

Nancy Kline estudou maneiras de liberar o melhor pensamento possível, ultrapassando esses pressupostos limitantes. Não tenho a pretensão de tentar explicar essa metodologia ou replicar os principais pontos do curso por aqui, mas gostaria de compartilhar uma questão que ficou muito forte pra mim: a grande importância do(a) Parceiro(a) de Pensamento e sua correspondente “insignificância”.

Mas, como assim?

O principal objetivo da metodologia é conseguir oferecer espaço para que o pensador ou a pensadora possa pensar por si. A parceria de pensamento é composta basicamente por dois elementos essenciais: a pessoa que escuta e a pessoa que pensa.

A pessoa que pensa sabe que não será interrompida. Esta é a postura básica. A consciência sobre isso ajuda a traduzir o poder e a responsabilidade que a pensadora carrega. Tudo o que acontece a partir desse momento depende inteiramente dela. É ela, inclusive, que cuida do seu tempo de fala.

Para aquele que escuta, o convite é sustentar a escuta generativa, atenta, e um interesse genuíno (quem escuta tem consciência do impacto da sua atenção generativa no outro). Parece fácil, mas é difícil. Sair da competição interna e escapar dos padrões — de expressar a sua própria opinião e fazer perguntas — e conseguir encorajar a outra pessoa a ir mais longe com com o seu próprio pensamento é uma missão que demanda muito esforço e muita entrega.

Aprendi no curso, que quem escuta está tão presente que se torna invisível, ou seja, a importância de quem escuta é tão grande que desaparece. Parece contraditório, né? Mas se considerarmos que o poder e a responsabilidade são inteiramente do pensador, então o Parceiro de Pensamento é, ao mesmo tempo, essencial e irrelevante:

  • Essencial porque sustenta o espaço para que a outra pessoa possa pensar livremente. Quando oferecemos nossa atenção e escuta ajudamos o outro a ir mais longe nos seus pensamentos, e isso reflete nossa essencialidade no processo.
  • Irrelevante porque o que o parceiro pensa não tem importância nenhuma. Não importa qual é a sua opinião ou se conhece o contexto do qual aquele pensamento se origina, o parceiro apenas se propõe a navegar nas ondas de pensamento do(a) pensador(a).

Gosto de pensar nesse paradoxo da presença do outro em nosso pensamento. Não precisamos do outro para pensar, mas a presença que ele nos oferece impacta o nosso processo de pensamento.

É muito curioso perceber que, muitas vezes, tudo o que precisamos é de uma escuta e presença de qualidade para nos ajudar a ir mais longe em nossos pensamentos, alcançar maior clareza nas ideias e/ou encontrar nossas próprias respostas. De acordo com Nancy Kline, a pessoa que carrega a pergunta também carrega a resposta.

Pra mim, conhecer a metodologia e entender o papel de um(a) parceiro(a) de pensamento, é quase como adquirir um “super poder”, uma habilidade que nos permite conseguir observar o pensamento da outra pessoa. Calma, não é mediunidade, não conseguimos saber o que a pessoa está pensando, mas conseguimos desenvolver a sensibilidade de perceber que o fluxo de pensamento dela ainda está em andamento, mesmo que ela pare de falar ou termine sua fala com: “- é só isso!”

Na Facilitação dizemos que o silêncio faz parte da conversa, mas nesse caso o silêncio faz parte do fluxo de pensamento, e sustentar o silêncio torna-se ainda mais essencial. Durante uma parceria de pensamento o silêncio ocupa duas facetas:

  • O silêncio para o pensador: ele para de falar, mas usa do silêncio para continuar pensando. Muitas vezes, inclusive, o pensador acessa mais pensamentos no silêncio do que ao falar.
  • O silêncio para o parceiro de pensamento: reconhece o silêncio, mas não busca ocupá-lo imediatamente com uma pergunta, apenas sustenta o espaço para pensar (muitas vezes esse lugar é angustiante, mas não é por isso que deva ser evitado). Em caso de necessidade, o pensador pode oferecer a chamada “pergunta pura” ou “consideração pura”, que não contem nenhum pensamento do pensador, ela emerge desse silêncio e se propõe apenas a apoiar o pensador.

Só que, para conseguir efetivamente aplicar essa habilidade, ao contrário de uma mágica, precisamos treinar continuamente esse “super poder”.

Existe algo curioso nesse curso, que passa por entender a metodologia, ou seja, o passo a passo de uma Parceria de Pensamento, mas depois desaprender esse processo, para conseguir entender que muitas vezes o caminho do pensador vai seguir por um lugar diferente, não planejado, e no final das contas imprevisível. Parte do aprendizado passa justamente por conseguir aceitar o fato de que não podemos prever o pensamento do outro, caso contrário estaríamos limitando suas possibilidades de pensar.

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[Artigo da série Retrospectiva 1º semestre 2021 || Texto elaborado após participação no curso Thinking Partnership (Parceria de Pensamento) em janeiro de 2021, oferecido pela , pioneira na metodologia do Thinking Environment no Brasil.]

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Marina Galvão

Facilitadora e Consultora // Apaixonada por interações sociais e por experiências de aprendizagem / Pensadora livre que não se satisfaz com explicações simples.