ph: volodymyr hryshchenko

FALHA NOSSA! Como valorizar as falhas de comunicação?

Marina Galvão
3 min readFeb 8, 2022

--

Em 2019 fundamos a Rede de Facilitadores de Belo Horizonte. Ela é uma rede aberta para pessoas que trabalham com facilitação de conversas em diferentes contextos. Mensalmente realizamos um encontro coletivo para troca de experiência e aprofundamento técnico e prático. A facilitação é sempre rotativa, e a cada encontro abordamos um tema relevante para nós.

Após um desses encontros, fiquei refletindo sobre o tema da comunicação e da percepção de significados. Compartilho aqui alguns pensamentos.

É cada vez mais comum falarmos sobre a importância da qualidade da escuta que oferecemos ao outro.

Acredito que a habilidade de ouvir atentamente, de oferecer nossa melhor atenção e de exercitar uma sensibilidade profunda e empática com relação às palavras e aos pensamentos das pessoas realmente é algo a ser desenvolvido.

Mas, às vezes, “ouvir mal” também leva a grandes criações.

David Bohm delineia uma concepção diferente de ouvir, na qual erros de percepção da fala de alguém podem levar ao surgimento de novos significados.

Quando estamos presentes e atentos, mas nossa escuta está além ou aquém do que está sendo dito, podemos alcançar pensamentos novos ou inovadores.

Isso me remeteu ao meu contexto pessoal:

Eu faço muitas reuniões — processos de criação e/ou de resolução de desafios — com uma amiga facilitadora. Acredito que temos uma conexão inata que permeia um campo mais sutil, e que muitas vezes faz com que tenhamos ideias similares ao mesmo tempo, e também, ao longo dos anos, fomos desenvolvendo uma certa habilidade de “ler os pensamentos” uma da outra.

Mas existe uma outra situação que acontece em nossas conversas que ilustra esse fluxo de significados:

Muitas vezes, estamos em um diálogo — entre nós duas ou com mais pessoas — e quando eu começo a falar sobre o tema em pauta, percebo de relance um olhar dela, como quem diz:

“- boa! Que bom que você vai levantar esse ponto!”

Só que muitas vezes o que eu digo não é o que ela havia pensado, e serve só como uma faísca para que ela pense em uma outra coisa.

Então, não são raros os momentos nos quais ao final da minha frase, ela começa a sua fala dizendo: — “ quando você começou a falar eu jurava que você ia dizer uma outra coisa, que você não disse, então vou compartilhar o que pensei….

Acho muito interessante quando isso acontece, e sempre começo a rir, curiosa para descobrir qual significado teria sido criado a partir desse erro de percepção. E geralmente, os significados que emergem são ainda mais interessantes do que o que estava sendo dito, dando guinadas essenciais à conversa.

Isso me fez refletir sobre como é preciso observar e abrir espaço para esses “erros” de comunicação em contextos de facilitação de grupo e diálogos.

A palavra comunicação deriva do latim communicare e significa “dividir alguma coisa com alguém”. Em regra, quando comunicamos — ou tentamos comunicar — transferimos algo do nível individual para o nível coletivo.

Esse “algo” pode ser uma informação, uma emoção, uma sensação ou uma experiência. Por isso, quando a informação é percebida de forma equivocada, ainda assim estamos comunicando, ou seja, estamos compartilhando com a outra pessoa a experiência em torno do que está sendo dito.

Pode ser que ao se equivocar, na “escuta” sutil a pessoa esteja acessando dados que vão além da informação em si. E eu acredito que há algo muito precioso nisso.

Claro, que isso não significa que devamos propositalmente oferecer uma qualidade menor de atenção em nossas conversas. Mas sim, que podemos apreciar os “fluxos de significados” que são construídos e desconstruídos em nossos diálogos.

Afinal, a capacidade criativa de um diálogo é infinita e exponencial, e se conseguirmos reconhecer e aplicar esse conhecimento podemos apoiar de forma ainda mais sensível as pessoas que estão sendo facilitadas.

.

.

{Artigo da série Retrospectiva 1º semestre 2021 || Esse texto foi construído com pensamentos e reflexões que emergiram em mim após a participação em um dos encontros da Rede de Facilitadores de Belo Horizonte}

Originally published at https://www.linkedin.com.

--

--

Marina Galvão

Facilitadora e Consultora // Apaixonada por interações sociais e por experiências de aprendizagem / Pensadora livre que não se satisfaz com explicações simples.